domingo, 16 de dezembro de 2007

Um ano na Universidade Federal - Um Sorriso Triste

Entrei de férias este sábado. Esta data memorável marca o fim do meu primeiro ano letivo na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Apesar de ainda ter alguns compromissos na faculdade, acredito que agora seria o melhor momento para fazer uma retrospectiva deste ano (nada a ver com aquele programa que o Bóris Casoy apresentava lá por 30 de dezembro na Record recapitulando todas as merdas que aconteceram no ano que está acabando). Primeiro por que, como estou de férias, tenho tempo de sobra para ler, treinar, ver filmes e escrever para o blog. Segundo, por que são duas da manhã e não estou com sono.

Antes de mais nada, falarei um pouco sobre o ambiente em que estudei este ano, e que continuarei estudando pelos próximos quatro anos. A UFRGS é uma universidade pública, e como bem definiu a Lady Hell, é um universo paralelo (sim, temos portais de teletransporte, mas não posso revelar os locais. E o atalho é Shift+T). Temos nosso almoço e nossa janta subsidiados, caminhamos por entre pesquisadores e laboratórios altamente equipados e cheios de verba, pipocam projetos de extensão por aí e o a única coisa que pode nos impedir de cursar todas as disciplinas obrigatórias e algumas eletivas a mais é o tempo, e não o dinheiro. Tudo é de graça ou extremamente barato. Coisa que não existe na UCS ou na Unisinos, particulares que conheci pessoalmente.

Claro, a infraestrutura da UFRGS é bem mais capenga do que a da Unisinos, que tem um campus central do tamanho de um parque temático, prédios bem pintados e canteiros de flores bem cuidados, ou do que a UCS, que tem até zoológico na cidade universitária e várias unidades espalhadas pela Serra e além. Mas, pelo o que tudo indica, um canteiro cheio de violetas em flor não é o que mais conta na avaliação do Ministério da Educação. Tanto é que a UFRGS é, segundo aquele listão do Enade que eu postei aqui, a UFRGS é a sexta melhor universidade do Brasil em cursos de graduação, e segundo o CAPES (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior), de nível internacional em cursos de pós-graduação. Por mais que os instrumentos utilizados na avaliação sejam incompletos (e são, como todo instrumento de avaliação subjetiva), eles refletem alguma coisa da verdade. Realmente, estudo em uma das melhores instituições de ensino superior do Brasil. Em termos.

Temos professores muito bem qualificados, pelo menos aqui na Psicologia. 83% deles tem doutorado (40% destes com pós-doutorado), contra 31% de doutores na Psicologia da UCS. Mas e daí? Um colega de outra faculdade reclamou de uma professora dizendo que "ela tem uns 8 pós-doutorados mas não consegue nem dizer o próprio nome direito". Diz-se que as avaliações nas Federais são muito mais exigentes, pois ninguém tem o dever de passar o filho do ricaço, que paga uma banana para que seu filho vire "dotô". Não tenho como comparar por experiência própria, mas pelo o que meu pai, psicólogo formado pela UCS diz, eu estudo muito mais do que ele estudava. Em termos absolutos, posso dizer que eu realmente me ferro estudando para passar nas provas e nos trabalhos. Mas isto é mais por senso de dever do que qualquer outra coisa, já que na Psicologia da UFRGS, qualquer macaco bem treinado tira A. Eu mesmo não acreditava nessa afirmação há alguns meses atrás, mas um exemplo me mostrou que tem o seu fundo de verdade. Em um trabalho para uma certa disciplina, tinhamos que escrever artigos para uma página da internet, patrocinada por um certo departamento. Não gostava muito da disciplina, mas fiz meu trabalho como deveria. Na semana final de aulas, nosso colega que estava organizando o site falou que um de nossos colegas havia simplesmente copiado todo seu trabalho da Wikipedia, e não tinha nem ao menos se dado o trabalho de excluir os hiperlinks. Ao falar deste pequeno detalhe para a professora, teve como resposta "Ai, nem me fala quem é, para eu não ter que descontar nota".

Também se diz que nas Universidades Federais, os estudantes são mais esforçados e interessados, pois o vestibular extremamente concorrido seleciona os melhores. Aqui, não posso negar que eu e meus colegas somos excelentes no que fazemos. Existem exceções, mas acho que são irrelevantes para o argumento que desenvolvo. Lembra, na época de colégio, de Primeiro ou Segundo Grau, de quando tanto você quanto todos os seus colegas estavam completamente de saco cheio por causa de um professor ou atitude da diretoria? Provavelmente você passou por algumas situações deste tipo. Pois bem, lembra que você ou outro colega seu se decidiram a mudar a situação, e contavam com a ajuda dos outros para tanto? Se você já fez algo assim, deve lembrar até hoje do resultado como sendo nulo, pois na hora da verdade, os teus colegas, os chamados "revolucionários de corredor" (só tem atitude no corredor. Na sala com o professor são uns santos) te deixaram e nada mudou, exceto que você ficou com má fama entre os professores. Talvez tu tenha tido o apoio dos teus colegas, mas o mais provável é que tu tenha se fodido sozinho. Pois é. Estamos cheios de revolucionários de corredor na UFRGS. Não digo que estas pessoas sejam insinceras ou má intencionadas. Geralmente, realmente desejam mudar as coisas, mas não conseguem transformar seu desejo em ato. E ficam lá, resmungando sobre como as aulas são uma merda e como eles fariam melhor. Até o professor chegar.

Outro tópico interessante de ser analisado são as políticas estudantis. As palavras "Movimento Estudantil", "Liberdade", "Democracia", "Luta" e outras tão ou mais impactantes são repetidas como mantras para lá e para cá por vários líderes de movimentos, especialmente na época (anual) de eleição para o DCE. Não passa de fachada. Apenas na eleição que eu pude ver, vi as mesmas pessoas que falavam em democracia fecharem ou tentarem impugnar urnas que sabiam que iriam fazer uma votação pouco expressiva, e quando viam que alguém iria votar em outra chapa que não a sua, o chamavam de "fascista" ou "comunista" (talvez eu faça um post falando mais a respeito destas eleições). Sem falar nos cartazes espalhados por aí, com mais palavras de ordem e grudadas de tal maneira que só tocando fogo ou colando outro cartaz por cima pra tirar. A primeira opção é a mais divertida, mas a segunda é muito mais provável de acontecer. Na próxima eleição para o DCE.

Se você for um leitor atento, terá percebido que fui afunilando os assuntos abordados: primeiro as diferenças entre universidades públicas e particulares, a universidade pública e seus funcionários, os estudantes da universidade pública. Falta falar sobre o último, porém não menos importante nível desta escala: eu mesmo.

No começo, eu idealizava muito mais o fato de eu estudar na UFRGS. Em certas aulas, pensava "nossa, temos aula com alguém que pesquisa sobre o assunto, e não alguém que leu em um livro". Também achava que ter aulas com um monte de doutores, que além de darem aula para nós davam aula na pós-graduação era o máximo. Considerava os estudantes da UFRGS muito mais ativos politicamente do que os estudantes das particulares próximas. Este um ano na Universidade Federal do Rio Grande do Sul me tornou muito mais pragmático e cético. Talvez até cínico. Às vezes, alguns colegas meus vinham me dizer que queriam colaborar com o DAP (Diretório Acadêmico de Psicologia), ajudar na editoração do nosso jornalzinho, o Psiu!, entre outras coisas. No começo do ano, me empolgava com a idéia de ter mais alguém ajudando, mas quase sempre me frustrava com o fato de que a pessoa não cumpria o que havia prometido (muitas vezes, só eu ficava frustrado). Um caso bem ilustrativo disto foram as inscrições para as comissões do diretório. A comissão com o maior número de membros era a Comissão de Eventos. A que organiza as festas. Mas como o pessoal não sabia que "fazer festa =/= organizar festa", só um ou dois continuam participantes ativos. No começo do ano, isto me deixaria louco, indignado com a falta de comprometimento dos outros. Agora, quando fico sabendo de casos parecidos, apenas esboço um sorriso triste e digo "previsível". E vou fazer algo de útil.

Não deixei de ajudar e encorajar os colegas que querem trabalhar e fazer algo de bom para nossa comunidade, seja ela a comunidade acadêmica ou a cidade de Porto Alegre como um todo. Apenas sei que, por mais sincero que seja seu desejo de ser útil, é bem provável que ele não seja mais forte do que a inércia que os mantém parados.